O que é um Rei? No conceito monárquico e absolutista, ele é a expressão máxima de um povo, a personificação do Estado, a figura mais próxima de Deus na face da Terra. Existe também a ideia de monarquia constitucional e parlamentarista, como ocorre, por exemplo, na Inglaterra. Preciso confessar que acho tudo isso uma grande baboseira, democrata convicto que sou, acredito que essa adoração exagerada a reis e rainhas é só uma forma de perpetuar privilégios a uma classe que cometeu algumas das maiores atrocidades da história da humanidade em nome da coroa.
Apesar disso, tem um Rei do qual sou fã, um pelo qual eu mataria e morreria, pelo qual eu lutaria nas trincheiras. Assim como eu, ele também é um democrata convicto, tendo sido resistência e luta a favor da democracia em um dos períodos mais sombrios da história do Brasil. Não bastasse isso, ele também vestiu a camisa do meu time e marcou incríveis 255 gols, sendo o artilheiro máximo da maior instituição popular de Minas Gerais.
Tal qual Luís XIV, José Reinaldo de Lima é o Galo. Como dizia uma faixa da Dragões da FAO no antigo Mineirão: “A expressão máxima de um povo”! Reinaldo é injustiçado, é perseguido, é valente, é lutador, é resistência, é vencedor. Todos os ideais descritos no hino do Atlético. Como não gostar de um cara desses?
Recentemente ele vem sendo alvo de críticas por ter dito que, quando atleta, gostaria de ter jogado no Flamengo, não só seu grande algoz na carreira, como também o do Colossal das Alterosas. Pegou mal e não poderia ser diferente, era algo completamente evitável de se dizer. Apesar disso, eu entendo o Rei.
Na minha trajetória como jornalista tive a oportunidade de cobrir o Flamengo no ano de 2023 e me deliciar com incríveis derrotas no Mundial de Clubes, na Recopa Sul-Americana e na final da Copa do Brasil. Mas nem tudo na vida são flores e, como o bom jornalista que acredito que sou, cobri o rubro-negro com a maior imparcialidade possível (embora tenha me divertido muito ao publicar o meu primeiro “Crise na Gávea”) e aprendi muito.
Aprendi não só sobre a profissão à qual escolhi me dedicar, mas também sobre o futebol, esporte pelo qual sou apaixonado. Uma das coisas que me dói muito dizer, mas que esse período me ensinou, foi que o Flamengo é um colosso, é o maior clube do Brasil por muito — mesmo que sem merecer tal alcunha.
Lembro bem de uma tarde qualquer, sem tantas notícias e com o trabalho fluindo de maneira quase que protocolar… Até que, não mais que do nada: CRISE NA GÁVEA! O então vice de futebol, Marcos Braz, havia se desentendido com um torcedor em um shopping do Rio de Janeiro e, no meio da confusão, havia mordido a virilha dele. Isso mesmo, você não leu errado: ele mordeu a virilha de um torcedor depois de ir às vias de fato com ele. Tem base?
Claramente minha tarde, que estava tranquila, virou um caos e a imprensa parou tudo que estava fazendo para cobrir a mordida do Marcos Braz, posteriormente apelidado de mordidinha. Em que pese o extraordinário do ocorrido, tudo que acontece no Ninho do Urubu e na Gávea toma proporções maiores do que realmente é, e existe uma razão para isso.
Walter Clark, executivo da Globo nos anos 80 e também cartola do Fla na mesma época, se aproveitou do esquadrão de Zico e companhia para usar a TV (turbinada pela ditadura) para transformar o rubro-negro em uma paixão nacional e criar a maior torcida do Brasil, ou, como eu gosto de dizer, a maior torcida mista do mundo.
Sendo assim, não é um absurdo tamanho imaginar que o Reinaldo, que vivia em uma época em que o futebol não dava tanta grana assim e em um período em que as únicas fontes de notícias nacionais eram a TV, tenha considerado vestir a camisa vermelha e preta para o bem de sua carreira. Ele só não precisava ter falado isso, né? Mas o Rei é um cara tão diferente de nós, meros mortais, que ele não guarda rancor.
Me lembro bem de entrevistá-lo às vésperas das eleições de 2018, aquela que veio como prefácio de um dos períodos mais complicados da história do nosso país, com acenos claros ao autoritarismo que ele lutou tanto para combater. Obviamente, a primeira pergunta que fiz para ele foi sobre o pleito que se aproximava e esperava uma resposta veemente, uma defesa à democracia, uma crítica àquele momento triste, e sua fala foi, no mínimo, surpreendente. O que Reinaldo falou naquele dia fica comigo até hoje.
Ao invés de fazer o óbvio e criticar todo aquele circo armado por um certo candidato, ele simplesmente se limitou a dizer que o que queria nas eleições era igualdade, fraternidade e liberdade, independentemente do vencedor. Achei isso de uma grandeza tão difícil de expressar em palavras, mas que diz muito sobre o ser humano que ele é.
Um amigo certa vez me falou que, em um diálogo com o Rei, pôde perceber que ele não detestava o Flamengo. Sua grande mágoa era com a ditadura, a mesma que não deixou ele jogar a final de 77 e que operou o assalto no Serra Dourada. Ele entendia que, se não fosse o Fla, seria outro, como sempre foi ao longo de sua carreira.
Ao atleticano que está chateado com ele, eu te entendo! Me incomodou muito a declaração, mas vocês entendem que boa parte do nosso ódio ao rubro-negro se dá pelo que fizeram com Reinaldo? Não é mesquinharia demais da nossa parte dizer ao Rei com o que ele deve se indignar? Às vezes tenho a sensação de que o torcedor virou um animal sedento por ódio, que coloca pessoas no pedestal e que não aceita qualquer deslize, sem esquecer de que elas são humanas, imperfeitas como nós.
Acredito que essas imperfeições são o que nos aproximam de figuras tão mitológicas como Reinaldo — e que bom que é assim! O meu ídolo é tão humano quanto eu, algo que, de certa maneira, alimenta aquele sonho pueril de “quero ser igual a ele quando crescer”, e é por isso que, pelo menos para mim, o Rei nunca perde sua majestade.
🐔 Pode chorar, Rei. Chora de alegria, porque esse título também é seu. REI, REI REI, REINALDO É NOSSO REI!
— Atlético (@Atletico) December 6, 2021
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